sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Anjos Caídos



Deus me chamou atenção para um certo caminho, não era o meu caminho porém a partir daquele exato segundo passou a ser a razão da minha existência.
Uma luz me envolveu e uma força me puxou para baixo. De repente quando dei por mim estava na esquina da rua Baker com a rua Stanford, poucas pessoas transitavam e as que estavam ali eram mal encaradas. Homens extravagantes andavam olhando assustados para todos os lados pela rua escura e mal frequentada, também haviam afro-americanos andando como rappers com suas armas e drogas em seus carros tunados.
Os latinos também vendiam suas almas e negociavam suas mulheres e crianças como escravas sexuais, podia sentir o cheiro da mentira e da corrupção em todos os lugares daquela rua infernal.
Duas garotas de programa vinham na minha direção, seus corpos exalavam a sexo e seus olhares traziam um enorme vazio repleto de escuridão. Elas passaram por mim como sem nem ao menos sentissem a minha presença.
Todo aquele ar sombrio das vidas humanas perdidas me fez ficar atônito enquanto caminhava pela rua. Diante a uma vitrine vi refletido a minha imagem pela primeira vez e não havia nada de celestial em mim.
Nem minhas vestes se pareciam com o que eu estava habituado a usar. Meus olhos azuis estavam chocados pela realidade que não conhecia, meu cabelo louro e ondulado caiam em cascata pela minha nuca. Ao menos ainda sabia o que eu era e meu coração jamais seria manchado .
Continuei a caminhar pela rua lentamente tentando entender qual seria a minha missão, como sozinho poderia ajudar a tantas almas perdidas. Avistei de longe alguns irmãos meus com seus protegidos, nos cumprimentamos formalmente com uma leve reverência e continuei meu caminho.
Cansado e quase sem luz própria sentei na calçada imunda e fiquei observando um carro velho se aproximar, seus pneus cantavam no asfalto deixando um rastro no chão. A porta foi violentamente aberta e um corpo foi jogado próximo ao amontoado de lixo.
-“...isso é para você a prender sua cadela!” – um homem gritou ao corpo inerte.
Tão logo bateu a porta fechando-a . Uma luz prateada refletiu de um objeto que ele impunha pela janela e logo reconheci uma arma.
Não pensei duas vezes em me levantar e correr de encontro a máquina mortal. Me projetei adiante para proteger quem quer que fosse ali e dois disparos se ouviu.
Uma gritaria ecoou pela rua assim como passos apressados em fuga. O carro fugiu em alta velocidade enquanto uma voz fraca gemia em agonia atrás de mim.
-Vai ficar tudo bem – disse mesmo sabendo que aquela alma não podia sequer sentir minha presença.
-Me salva! – ela sussurrou e isso me deixou desconfiado. Estaria ela me vendo?
Olhei ao seu redor e uma enorme mancha de sangue escorria de seu corpo moribundo. Falhei.
-Estou morrendo – ela tornou a dizer com sua voz de anjo, seu queixo tremia, estava pálida e sem forças. Podia ver seu espirito abandonando seu corpo e um desespero me atingiu.
-Olhos castanhos, você consegue me ver? – perguntei.
-Um anjo – disse ela antes do brilho dos seus olhos se apagarem um pouco mais.
Tentei inutilmente tocá-la já que seu corpo era uma massa sólida enquanto eu era apenas uma vaga matéria.
Ao vê-la praticamente morta entendi qual a minha missão.
Levantei apressado e corri para  o primeiro lugar que achei. Um prostibulo com suas luzes de neon piscantes. Adentrei em meio as pessoas que se vendiam e se corrompiam , todos alheio a jovem que agonizava a 50 metros dali.
Uma linda mulher semi-nua se requebrava em cima de uma plataforma , com seus seios amostras e usando apenas uma mini lingerie chamava a atenção dos bêbados engravatados. Ela se agachou diante de mim sem me notar , de súbito ela parou de se movimentar e vi sua pele arrepiar toda como um calafrio.
-Nossa! – ela disse assustada.
Toquei em seu coração . Seria impossível ela me notar se não houve ainda dentro dela uma alma boa que ainda tinha chance de voltar para luz.
-Preciso de você Jade. – disse para ela que rapidamente desceu correndo para um dos camarins.
-O que diabos está acontecendo? – ela perguntou vestindo um vestido curto e depravado. –Preciso de ar.
Ela saiu com seu cigarro aceso e foi para a calçada. Sutilmente indiquei o caminho que ela devia seguir, um leve assopro fez o vento levantar .
-O que é aquilo ali? – ela perguntou para o nada.
-Sua missão querida. – eu disse sério.
-Vou lá ver. – ela respondeu.
Uma multidão estava ao redor da minha protegida ainda sem nome, mais não era ajuda que ela recebia e sim estava sendo assaltada em seu leito de morte.
-O que porra vocês estão fazendo? – Jade gritou espantando as pessoas que saqueavam.
-Ela já tá morta! – um garoto disse antes de sair correndo.
Jade se agachou para checar os pulsos fracos porém ainda existentes da garota.
-Por Deus! Ela ainda respira! Saiam todos daqui! Chamem a polícia, uma ambulância! – ela gritou desesperada. – Calma querida vai dar tudo certo.
-O que diabos está acontecendo?
Um policial gritou ao descer de sua viatura , alguns remanescestes fugiram com suas drogas e seus furtos. Apenas Jade ficou.
-Puta merda! – ele disse – Joe avisa a central que temos um corpo no perímetro da ronda, chama a ambulância rápido!
Eu estava agoniado e isso nunca senti antes por nenhum dos meus protegidos . “Salve ela” repetia mil vezes aos céus.
-O que aconteceu aqui? – o outro policial perguntou com brutalidade empurrando Jade para longe do corpo da minha protegida. – Ou você fala ou vamos te condenar como culpada ou vamos te deixar na mão do Toni. Você que sabe sua vadia! Ou abre o bico ou vai penar na mão do latino.
-Eu cheguei agora, vi um monte de gente saqueando e quando dei por mim a vi aqui. – ela disse entre soluços.
-Enquadra essa vaca Matthew. É só mais um caso de acerto de conta entre gangues, aposto.- um dos policiais disse.
-Entra no carro! – ele ordenou e Jade obedeceu.
A ambulância chegou e levou minha protegida. Segui em silêncio com o peito comprimido, um medo que desconhecia, medo de não vê-la viva, medo de falhar.
Os paramédicos estavam em cima dela tentando trazê-la a vida, em um ultimo suspiro vi aqueles olhos castanhos se despedirem de mim. Um nó se formou dentro de mim, as sirenes soavam enlouquecidamente e uma lágrima rolou pelo rosto, uma conexão que eu nem sabia explicar me ligou aquela mulher. Talvez seja pelo fato de que ela é a minha primeira falha e agora ela está morta.
-Hora do óbito...- uma médica disse olhando o relógio -03:30 da manhã.
Ela cobriu o corpo com um lençol e doeu em mim de uma forma violenta ver aquilo. Ao chegarmos no hospital o corpo foi encaminhado pelos corredores silenciosos e foi deixado no necrotério.
-Deixa comigo Stacey – um homem falou depositando o corpo sobre a pedra. – Tão jovem.
Ele disse com pesar.
-Pela roupa devia ser garota de programa. – a mulher disse. – vamos comer primeiro , depois a gente descobre o que houve com ela.
Eles saíram me deixando com ela.
Descobri o tecido e senti que seu corpo ainda estava quente, observei atentamente sua feridas e toquei em sua mão.
Nossos corpos foram envolvidos numa estranha força e luz . Me vi na mesma rua, horas antes.
“- Boa sorte hoje! – Nathalie desejou antes de ir para as calçadas vender seu corpo.
-Pra nós duas! – desejou minha protegida de volta.
Olhou em cima da penteadeira do prostibulo e viu a única lembrança de sua família. Uma fotografia dela com seus pais e irmãos num tempo muito distante.
Vi atravessar em seu peito uma dor , sua dor era minha morte. Porque? não sei! Mais soube naquele instante que eu não devia desistir dela.
Eu sabia o que era ser só, sem família. Muitas vezes antes pedi aos superiores que me permitissem conviver com meus irmãos de luz e todas as vezes meu pedido foi negado. Se Deus permitisse que o tempo voltasse eu daria minha luz, minha vida para que estes mesmos olhos castanhos voltassem a vida e faria o que estivesse ao alcance para dar a minha preciosa protegida uma família novamente.
Segui seus passos e pelo caminho não faltou quem a tocasse com malícia e falta de respeito, pude sentir na minha pele o choro engasgado na garganta dela, a dor da humilhação.
-E aí morena! – um homem asqueroso falou desacelerando o carro.
Era ele!
Meu corpo pediu mil vezes para que ela não fosse com ele naquele carro.
-Olha só cara...- ela começou impaciente. – se for só você vai custar r$50 mangos a hora mas se seus amigos quiserem também vai ficar em torno de r$ 120 pratas três horas. Avisando que nada de bater, nada de beijo na boca e nada de sexo sem camisinha.
-Olha isso Ramirez, a gata não manda recado! – um outro homem dentro  do carro disse em gozação.
-Cala a boca Santiago! – Ramirez disse – Entra. – ele disse e a linda garota de pele morena e olhos castanhos entrou no carro.
-Qual seu nome vadia? – Ramirez perguntou.
-Vadia é sua mãe! – ela respondeu em defesa. – Me chame de Angel.
-UH!!!! – eles começaram – A nossa prostituta veio dos céus! – Santiago debochou já alisando as pernas nuas da minha Angel.
-Amém irmãos! – o terceiro homem finalmente falou.
O carro parou num galpão abandonado, Angel foi jogada para fora do carro.
-Vira de costas! – Ramirez disse com rispidez.
De má vontade Angel obedeceu. Sua saia de couro teve o feixe quebrado pela força que o primeiro homem exerceu . Olhos castanhos apoiou as duas mãos no carro enquanto ele a invadia de um jeito monstruoso.
A cara de dor da minha protegida me fez sentir como se meu coração tivesse sido arrancado do peito por uma mão criminosa. Eu não conhecia sexo, pelo menos não sem amor e aquela visão me deixou fraco.
-Agora minha vez. – o segundo homem disse. O primeiro saiu e ficou se tocando vendo o amigo possuir meus olhos castanhos que sofria em silêncio.
-Que tal umas brincadeiras, Ramirez? – o terceiro falou.
-Boa ideia Fernando! Pega a filmadora e vamos fazer um videozinho caseiro.
-Sem imagens! Ai! – Angel disse e virou a cabeça para encarar o seu malfeitor. – Sem machucar seu idiota!
-Calada sua puta! – Ramirez ordenou assustando –a.
O terceiro homem abriu os botões da blusa dela e com ferocidade a mordeu nos seios, ela gritou em dor mais logo foi amordaçada com uma corda .
-Fica de quatro! – gritou Ramirez, Angel tinha lágrimas nos olhos.
Fernando a jogou no chão e se posicionou invadindo-a sem clemência. Ramirez ficou de pé na sua frente e Santiago se prostrou próximo dela a tocando em sua feminilidade.
Eu estava chocado e enojando em ver o quanto os homens haviam sido corrompidos . Cada lágrima dela era uma lágrima minha.
Por horas eles a torturaram, machucaram e estupraram aquela garota indefesa. E eu nada pude fazer...
-Não me olha no rosto sua vadia! – Fernando berrou para ela que estava encolhida em meio ao ferro velho do galpão.
Seu corpo cheio de hematomas e nos lábios um filete de sangue escorria.
-Só quero meu dinheiro e esquecer a cara de vocês – ela tirou forças para responder.
-Tu tá se achando né vadia? Acho que merece uma lição!- Santiago disse já iniciando nova onda de violência.
A luz que eu pude capturar horas antes nela começou a se apagar e nesse exato momento meu reflexo no espelho que havia ali mostrou meu brilho celestial também  se apagando, foi o momento em que caminhava pela rua a procura da minha nova missão.
Voltei a fita-la inerte sendo jogada dentro do banco traseiro do carro.
Um vento forte soprou e estávamos na rua. Me vi observando a cena em que ela foi atirada na calçada em meio ao lixo que ainda ia ser recolhido.
Como em câmera acelerada me vi  projetando meu corpo para protegê-la até chegarmos até aqui.
Uma agonia agora me matando como se tivesse sido jogado as feras bestiais.
-Quando não houver uma luz pra te guiar e ninguém para andar ao seu lado, irei até você! – disse em promessa me prostrando no chão frio do necrotério, reprimindo a dor da morte e do vazio.
Ela ainda não se movia o que aumentava meu desespero. Faria qualquer troca com Deus para salvá-la! Me lembrava de ter dito isso, sentiria dor, perderia minha alma pura, pereceria na terra ou no inferno para tê-la viva e sorrindo agora mesmo!
Me levantei ainda lutando contra a dor que sentia, sem entender de fato como um anjo chegou tão perto de ser humano e de sentir como um ser humano sente.
-Te prometo olhos castanhos...-disse entre lágrimas – mesmo que a noite esteja escura, fria e chuvosa meu amor...- me calei – não se preocupe em me achar, pois eu irei até você!
De repente uma calmaria me atingiu, vi meu Pai sorrindo satisfeito , não havia mais dor em mim. Seria o fim e ela estava perdida no submundo?
A beijei.
Seus lábios frios se tornaram quentes, meu coração acelerou dentro do peito. Minhas lágrimas tocaram seu rosto ainda sem cor e me vi em um sonho. Onde dias melhores eram possíveis ,a encontrei sentada no degrau do alpendre de uma casinha simples com bastante flores no jardim ela me olhou e indagou sobre como ela havia podido perder o próprio caminho, pude sentir o seu medo se transformarem em lágrimas .
-Eu ouvirei teu espirito me chamar e juro que estarei lá – a reconfortei.
-E se não ficarmos juntos? – ela indagou receosa.
-Pois mesmo que não possamos ficar juntos seremos amigos hoje e sempre – apenas o som dos pássaros quebrou o silêncio que se seguiu a minha jura. - Todos nós precisamos de um ombro amigo ,alguém que sempre nos entenda. Então, se sentir que sua alma está morrendo e precisar de força para seguir em frente eu estarei por perto e segurarei sua mão.
Senti meu corpo voltar daquela viagem linda.
-Acho que me apaixonei por você olhos castanhos. – admiti agora entendendo  qual o proposito daquilo tudo.
Com um fôlego de vida minha protegida abriu seus olhos e sorriu.
-Te esperei por tanto tempo. – ela disse roucamente.
-Finalmente te encontrei ... olhos castanhos.
[...]
Epílogo
Acordei numa manhã ensolarada de domingo com o sol tocando meu rosto, encontrei os olhos castanhos mais meigos da terra me fitando docemente.
-O que houve? – perguntei.
-Adoro ver as ondulações que seu cabelo dá e como ele fica bem espalhado pelo travesseiro.
- E eu adoro ver nossa família crescendo.
Trouxe seu corpo para mais junto do meu.
-O que acha de termos um cachorro? – ela propôs .
-Já temos um filho de 4 anos, que por sinal Julian já deve ter acordado, em poucos meses teremos uma menina, temos dois peixinhos dourados, passarinhos e uma tartaruga e você ainda quer mais um animal? – retruquei. – Não acha que temos muito trabalho pela frente não?
-E porque não? – ela fez manha .
-A gente vê isso depois. – disse já sabendo que eu diria sim.
-Sabe, eu olho as estrelas a noite e me lembro de você. As vezes acho que você é meu anjo da guarda, o anjo que me salvou e me faz feliz. – ela falou corando um pouco antes de beijar meu peitoral onde sua cabeça repousava. – Meu anjo loiro de olhos azuis, meu deus grego, o mais belo filho de Zeus.
Ri.
-É, talvez eu seja um anjo que caiu do céu para salvar um outro anjo caído, e que bom que fui eu o anjo que te salvou. – falei calmo.
- Por que? – ela questionou me encarando.
-Porque você também me salvou!

NA: Oi pessoal , essa foi a minha primeira One-Short espero que tenham curtido!!!

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